Alzheimer/Velhice

sábado, 4 de dezembro de 2010

Levanta o povo de Rapa Nui

Liderança rapanui ferida no olho durante desalojo


Há pouco tempo o mundo inteiro acompanhou o semblante sorridente e inofensivo do novo presidente do Chile, Sebastián Piñera, durante o resgate dos mineiros que ficaram presos numa mina na região de Atacama. Mas, com os povos em luta e os trabalhadores chilenos ele não é tão inofensivo assim. Por 80 dias, prisioneiros Mapuche fizeram greve de fome, porque não aceitam estar presos como bandidos, se tudo o que fazem é lutar por sua terra, e o governo os tratou com brutal dureza.

Agora, nos primeiros dias de dezembro foi a vez do povo Rapanui, os que habitam a ilha de Páscoa, a ilha mais distante do continente, a 3.700 quilômetros da costa leste do Chile. Um grupo de 45 soldados fortemente armados irrompeu na comunidade recuperada pelo clã Tuko Tuki, no centro de Hanga Roa, capital da ilha. Esse espaço vem sendo reivindicado pela gente originária desde há muito tempo, sem que haja sensibilidade por parte do governo que atualmente ocupa as terras, com vários prédios públicos. Até mesmo os organismos internacionais de Direitos Humanos já reconheceram a legitimidade da demanda dos Rapanui, mas a violência desencadeada na última semana pela polícia chilena mostra o quanto isso ainda está longe de acabar.

Num único mês, mais de 35 grupos de famílias Rapanui recuperaram seus antigos terrenos que estão em mãos do governo e desde aí abriram uma ferida que aparentemente estava fechada. Justamente por ser um dos pontos mais afastados da terra, a ilha esteve longe da cobiça dos conquistadores por muito tempo. Foi só em 1722 que um navegador neerlandês chegou à ilha, exatamente num dia de Páscoa, daí este ser o nome dado ao lugar, como sempre, desrespeitando seu nome original. Porque a ilha não era um lugar deserto. Lá habitavam os Rapanui que davam ao lugar o nome de Rapa Nui, que significa ilha grande. Em 1774 um capitão inglês aportou no lugar e um século depois a ilha foi ocupada por europeus que introduziram ali a criação do gado ovino. Em 1888 a ilha foi anexada ao Chile e passou a existir como uma enorme fazenda de ovelhas, sendo o seu povo tornado escravo.

Foram muitas as lutas travadas pelo povo Rapanui pela recuperação da sua liberdade e de seu território. Mas, só em 1966 eles foram alçados à condição de cidadãos chilenos. Até então eram ninguém. Só que o povo da grande ilha nunca quis ser chileno, e nunca ninguém lhes perguntou isso. Essa cidadania foi imposta, assim como a escravidão anterior. Na gente Rapanui sempre esteve muito vivo o sentimento de sua identidade e hoje isso renasce com força total.

Desde o mês de julho de 2010 os Rapanui têm tomado prédios e terras que estão na mão do governo. Exigem de volta o que é seu. Querem o direito de dirigir suas próprias vidas, de acordo com os seus costumes. Outros prédios e terrenos ainda em mãos do estado recebem pequenas bandeiras de Rapa Nui como um símbolo de que aquele lugar tem outro dono. Há um clima de tensão no ar. E há um renascer dos movimentos originários que, apesar das diferenças entre os clãs, voltam a se reunir e encaminhar lutas conjuntas. A recuperação do território é a mais importante.

Na última semana o governo decidiu endurecer e realizou, no amanhecer, uma brutal operação de retirada de famílias. As pessoas ainda dormiam quando a polícia chegou, derrubando portas e golpeando todo mundo. Houve reação e muita gente acabou ferida. Fotos mostram senhoras de idade com balaços de borracha no rosto, uma das lideranças teve o olho destroçado, gente sangrando por todo o lado, alguns gravemente atingidos. Depois de toda a cena de brutalidade os soldados ainda se dispuseram a um último gesto de poder: queimaram as bandeiras de Rapa Nui, numa demonstração de desconhecimento das reivindicações e da cultura do povo autóctone. Nitroglicerina pura. As famílias originárias estão em pé de guerra.

A ilha de Rapa Nui é um importante centro turístico que recebe mais de 60 mil turistas por ano, atraídos pelos misteriosos Moais e pelas praias paradisíacas. Agora, está deflagrado um grave conflito entre o povo Rapanui e o Estado Chileno. O que as famílias querem é um diálogo aberto e respeito, muito respeito. Coisa que o ataque do dia 3 de dezembro mostra parecer impossível. A gente da ilha quer negociar, mas está disposta a lutar se preciso for. No caso deste clã que foi desalojado agora em 3 de dezembro, a reivindicação envolve um espaço de 5, 5 hectares no centro da capital. No terreno estão prédios importantes como a sede da prefeitura, o Banco do Estado e outros prédios públicos. O clã da família Hito reivindica um terreno onde está um dos mais importantes hotéis da ilha. Enfim, é uma batalha gigantesca a que está sendo travada agora naquela longínqua terra.

Quem acompanha a movimentação é o jornal Azkintwe, veículo oficial do país Mapuche. Mas, no resto do mundo poucos sabem da luta deste esplêndido povo, esquecido no meio do pacífico.

Com informações de Elias Paillan – Jornal Azkintwe

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Nós e o senhor das moscas

Dias desses vi na televisão um filme que já havia assistido nos anos 90 e quem naqueles dias, já me causara profunda tristeza. Chama-se “O senhor das moscas” e mostra um grupo de crianças perdidas numa ilha, depois da queda de um avião, fugindo da guerra. Na ilha, sozinhos, eles têm de se organizar e aí aparecem todos os estereótipos do humano. O ditador, o herói, os elementos da democracia, o misticismo fundamentalista, a ciência, os covardes, os perdidos, os fracos, o selvagem. A película é inspirada em um livro do mesmo nome escrito na década de 50 que, em tese, tenta mostrar o quanto o ser humano carrega dentro de si o germe da corrupção. E aí não se trata desta corrupção que vemos na TV quando um suborna o outro, mas a corrupção existencial, essa que torna um garoto normal e educado num ser sem qualquer sentimento ou moral: um selvagem, na acepção mais crua da palavra.

O senhor das moscas tenta mostrar que há algo de podre no humano que, cedo ou tarde se manifesta, como já havia ousado propor George Orwell, no Revolução dos Bichos. Mas, ao mesmo tempo também aponta a presença do humano justo, digno, bondoso e capaz de conviver com o diferente. Este, ao longo do filme, em que um deles vai assumindo o controle de todos os garotos pelo medo e pela força, vai ficando sozinho. Até ao ponto de ser caçado por todo o grupo, que comandado pelo chefe, se dispunha a eliminar o menino que ousava instituir uma vida de liberdade e respeito pelo outro, nas suas debilidades e belezas.

É uma experiência dolorosa que só acaba com o quê? Com achegada da força, vinda de fora. O exército libertador.

Por algum motivo esse filme me faz pensar no que acontece no Rio, hoje. Por viver tão longe, não me sinto muito capaz de fazer uma boa análise dos fatos. Há tantas variáveis a considerar. O tráfico, duro e cruel, a ganância imobiliária que quer as terras dos morros, a violência da polícia, a corrupção, a ausência completa do Estado nas áreas de favela, os barões da droga que estão no asfalto, enfim... tanta coisa, e outras mais fora do meu olfato. Mas, de alguma forma vejo cada um daqueles meninos do “senhor das moscas” se expressando no turbilhão de notícias e opiniões sobre as ocupações dos morros cariocas, dentro do grotesco “espetáculo” montado pelas emissoras de televisão.

A ascensão dos chefetes das drogas nas comunidades empobrecidas não é coisa que brota do nada. É fruto de toda a omissão do estado burguês diante das promessas que faz. Não há saúde, não há escola, não há lazer, não há vida. O capitalismo suga todas as forças dos trabalhadores e os joga uns contra outros. O povo se vira como pode, equilibrando-se na corda bamba entre a lei e o tráfico. E, aí, assomam todos os tipos de seres: os bem intencionados, os heróis, os selvagens, os fracos, os bondosos, os medrosos, etc... Mas, como bem analisa o professor Nildo Ouriques, o povo é sábio e só sobrevive porque sabe avaliar a correlação de forças do espaço onde vive. Ninguém quer viver sob o terror dos soldados do tráfico, mas tampouco quer a presença de uma polícia corrupta, racista e violenta. É um fogo cruzado que nunca pára.

Hoje a polícia ocupa o morro e a TV expõe as gentes a celebrar o fim de um tipo de opressão. Mas e amanhã, quando o tempo passar, e as câmeras se voltarem para outro tema? E se a polícia sair? E se o Estado não cumprir de novo com suas promessas? E se voltar o terror do tráfico? E se o Estado não agir no espaço dos chefes graúdos, os que vivem no asfalto? Há uma coisa que se chama sobrevivência. As pessoas querem seguir suas existências, de alguma forma, e de preferência bem. Como viveram até hoje, sem o Estado e sem a polícia? Porque são sábias e vergam tal qual o feixe, ao sabor do vento. Se não fosse assim não estariam vivas.

Mas, e amanhã, quando com as UPPs todos os morros estiverem livres da força do tráfico, se as empresas de turismo quiserem os terrenos onde vivem as gentes para ganhar dinheiro durante as festas das olimpíadas e da copa? Haveremos de ter a mídia aliada ao povo do morro? Haveremos de ver os comentaristas das redes nacionais defendendo as “pobres” famílias das favelas? Não! Não veremos. Será uma outra batalha a ser travada tal qual a do personagem do filme do senhor das moscas. Uma solitária batalha contra o capital, e aí não haverá um exército libertador. Pelos menos não um de fora.

A história dos empobrecidos é uma recorrente história de perdas. Coisa poderosa demais. Os de baixo estão sendo sempre colocados diante de suas derrotas, em todas as grande batalhas que travam por vida digna e farta para todos. A força do poder solapa e arrasa, fazendo com que as pequenas vitórias se desfaçam nas brumas. Isso cria uma atmosfera de profunda impotência. E não deveria ser assim. Se o povo empobrecido decidisse tornar-se quem é, as coisas seriam diferentes. Mas, para isso haveria que se despertar a consciência de classe, sair da emergência, da difícil tarefa de manter-se com a cabeça para fora do lodo mortal da sobrevivência cotidiana no reino do capital. Tanto trabalho a ser feito, tanto suor, quase um trabalho de Hércules.

O Rio de Janeiro é esse campo onde reina “o senhor das moscas”, uma espécie de pedaço do campo geral que é o mundo capitalista. No filme, é a cabeça de um porco que representa o mítico, o poder, a força, o símbolo de algo intangível, inalcançável, a coisa etérea que mantém todos os meninos sob um domínio incapaz de se desfazer. Vejo esse símbolo, agora, na caveira do BOPE. Em volta dela arma-se toda essa “festa” de libertação do morro. Mas o que esperar de uma força que tem a caveira como símbolo? Já bem disse Muniz Sodré num recente artigo sobre os fatos. Esta não é uma luta dos bonzinhos contra os malvados. Há tantos lados e tantas variáveis nestas personagens.

O Brasil vive nestes dias uma espécie de euforia desenvolvimentista. Desde o segundo governo Lula as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão se espalhando por vários cantos do país, como um símbolo da melhora da vida. Mas, muitas destas obras são questionáveis, não representam soluções reais para os problemas. Alguns, elas até aprofundam. Ainda assim, incensa-se sem sendo crítico. Agora, com o pré-sal, mais uma onda de “melhoras” deve atingir o país. Dinheiro do petróleo vindo aos borbotões. Para quem? Até onde esta onda alcançará as gentes simples? Receberão migalhas ou participarão do banquete, como convidadas? Garantirão aos milhões de jovens deste país a possibilidade da vida digna? Ou terão eles que enfrentar o “senhor das moscas”, como sempre foi?

Não sei. Tudo está aberto. Os meninos armados que hoje servem ao tráfico – urdido muito além dos morros empobrecidos – precisam de muito mais do que promessas. Precisam ver as coisas boas acontecendo com eles todos os dias, precisam se saber parte de uma sociedade justa e livre, na qual terão a chance de construir em pé de igualdade. Há uma cena no filme “o senhor das moscas” que me parece bem paradigmática das coisas que vivemos como seres humanos. O garoto “rebelde” está sendo caçado pelo grupo, o chefete quer a sua morte. Ele corre pela selva e se depara com um incêndio. Está acuado, sem saída. Então, dois dos garotos, que foram cooptados pelo líder ditador, o vêem sob uma árvore, quase sendo tocado pelo fogo. Eles estacam, atônitos. O chefe grita: “estão vendo algo?” E eles, olhando fixo nos olhos do menino, respondem, depois de um longo silêncio: “não”. É quando o garoto consegue fugir em direção à praia. Por um minuto, o sentimento de solidariedade e o desejo da liberdade se fazem parceiros. É a otimista mensagem do autor que, apesar de destacar o tempo todo a vileza e a capacidade de destruição que existe no humano, mostra que é possível, num átimo, tudo se transformar. E, claro, isso não se dá por magia, mas por uma profunda compreensão sobre o que, afinal, está em jogo.

No filme, os garotos entendem que algo está errado e procuram fazer algo para mudar. E nós, aqui, agora? Haveremos de continuar rendendo cultos ao senhor das moscas?

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A greve que fez Blumenau parar

Por Magali Moser - De Blumenau

O caos que se transformou o trânsito em Blumenau nos últimos dias, com a greve dos trabalhadores das empresas de ônibus, demonstra mais uma vez a necessidade e o papel fundamental do transporte coletivo urbano. O que mais se ouve é como a comunidade está sendo prejudicada com a interrupção no serviço. Mas, quando a população perceber que a greve é necessária e busca beneficiar também os usuários, vamos fortalecer ainda mais o movimento por um transporte melhor e mais barato para o povo.

A passagem de ônibus em Blumenau, hoje no valor de R$ 2,57, é a mais cara do Estado. O último aumento da tarifa foi quase o dobro da inflação de 5,39%. Nos últimos quatro anos, as tarifas aumentaram 48,2%, em média três vezes mais que os aumentos concedidos aos trabalhadores. A categoria reivindica aumento de 9,07%, tíquete refeição de R$ 260,00, equiparação salarial entre os cobradores e o direito a ter cartão ponto para marcar as horas trabalhadas. Não se trata de uma questão corporativista. Os trabalhadores denunciam a precariedade dos ônibus, alguns com até 13 anos de uso. Pela lei, o prazo máximo é de dez anos. A luta pela renovação da frota vai beneficiar diretamente os 130 mil usuários que dependem dos ônibus todos os dias. Isso mostra o compromisso com a classe trabalhadora!

Mais uma prova desse compromisso é que o Sindicato propôs a volta ao trabalho desde que a catraca fosse liberada para todos os usuários. Assim, os trabalhadores colocariam 100% da frota nas ruas, mas todos rodariam com a catraca livre. Esta seria uma forma da categoria reivindicar seus direitos e combater o principal argumento contra a greve que é prejuízo à população. Mas o comando das empresas, como era de se esperar, já rechaçou a proposta.

Ações patronais tentam fazer com que o Sindicato dos Empregados das Empresas Permissionárias do Transporte Coletivo Urbano de Blumenau e Gaspar (Sindetranscol) pague uma multa diária de R$ 20 mil se o transporte permanecer completamente paralisado, segundo determinação da juíza da 4ª Vara do Trabalho de Blumenau, Andréa Pasold. A greve é um direito do trabalhador, garantido na Constituição Federal e um recurso legítimo a que o sindicato recorre diante da intransigência dos patrões.

A disputa pelo desenvolvimento


O Instituto de Estudos Latino-Americanos realiza nestes dias 02 e 03 de dezembro um Seminário para discutir um tema que está presente na conjuntura com força total. É a idéia de desenvolvimento. Desde o início do governo de Luis Inácio, e continuando agora com Dilma, as propostas desenvolvimentistas voltaram à baila. Entender esse conceito e desvendar todos os seus matizes é fundamental para se pensar o país e a política atual.

Nesse sentido, o IELA, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), promove na UFSC uma discussão que envolve a temática do desenvolvimento e a recuperação histórica de importantes lutas dos trabalhadores brasileiros. As conferências e lançamentos de livros acontecem no Auditório do Centro Sócio-Econômico, sempre às 18h30min. Veja a programação:

A Disputa pelo Desenvolvimento

Dia 02/12/2010, às 18h30m:
POLOP e a crítica ao desenvolvimentismo

Local: Auditório do CSE.
Palestrante: Ceici Kameyama, do Centro de Estudos Victor Meyer.

Lançamento dos livros
Sobre o Fascismo, de August Talheimer;
Curso Básico da ORM – PO (Organização Revolucionária Marxista Política Operária)
POLOP: Uma trajetória de luta pela organização independente da classe operária no Brasil

Dia 03/12/2010, às 18h30m:
Os anos Lula (2003 - 2010)

Local: Auditório do CSE,
Palestrante: Paulo Passarinho, do CORECON – RJ e do Programa Faixa Livre, da rádio Band.

Lançamento do livro
Os Anos Lula: Contribuições para um balanço crítico (2003 – 2010)