Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 30 de julho de 2010

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Jornalista está cada vez mais doente


O psicólogo, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Heloani, conseguiu levantar um perfil devastador sobre como vivem os jornalistas e por que adoecem. O trabalho ouviu dezenas de profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do método de pesquisa quantitativo e qualitativo, envolvendo profissionais de rádio, TV, impresso e assessorias de imprensa. E, apesar da amostragem envolver apenas dois estados brasileiros, o relato imediatamente foi assumido pelos delegados ao Congresso de Santa Catarina – que aconteceu de 23 a 25 de julho - evidenciando assim que esta é uma situação que se expressa em todo o país.

Segundo Heloani a mídia é um setor que transforma o imaginário popular, cria mitos e consolida inverdades. Uma delas diz respeito à própria visão do que seja o jornalista. Quem vê a televisão, por exemplo, pode criar a imagem deformada de que a vida do jornalista é de puro glamour. A pesquisa de Roberto tira o véu que encobre essa realidade e revela um drama digno de Shakespeare. Nela, fica claro que assim como a mais absoluta maioria é completamente apaixonada pelo que faz, ao mesmo tempo está em sofrimento pelo que faz, o que na prática quer dizer que, amando o jornalismo eles não se sentem fazendo esse jornalismo que amam, sendo obrigados a realizarem outra coisa, a qual odeiam. Daí a doença!

Um dado interessante da pesquisa é que a maioria do pessoal que trabalha no jornalismo é formada por mulheres e, entre elas, a maioria é solteira, pelo simples fato de que é muito difícil encontrar um parceiro que consiga compreender o ritmo e os horários da profissão. Nesse caso, a solidão e a frustração acerca de uma relação amorosa bem sucedida também viram foco de doença.

Heloani percebeu que as empresas de comunicação atualmente tendem a contratar pessoas mais jovens, provocando uma guerra entre gerações dentro das empresas. Como os mais velhos não tem mais saúde para acompanhar o ritmo frenético imposto pelo capital, os patrões apostam nos jovens, que ainda tem saúde e são completamente despolitizados. Porque estão começando e querem mostrar trabalho, eles aceitam tudo e, de quebra, não gostam de política ou sindicato, o que provoca o enfraquecimento da entidade de luta dos trabalhadores. “Os patrões adoram, porque eles não dão trabalho”.

Outro elemento importante desta “jovialização” da profissão é o desaparecimento gradual do jornalismo investigativo. Como os jornalistas são muito jovens, eles não tem toda uma bagagem de conhecimento e experiência para adentrar por estas veredas. Isso aparece também no fato de que a procura por universidades tradicionais caiu muito. USP, Metodista ou Cásper Líbero (no caso de São Paulo) perdem feio para as “uni”, que são as dezenas de faculdades privadas que assomam pelo país afora. “É uma formação muitas vezes sem qualidade, o que aumenta a falta de senso crítico do jornalista e o torna mais propenso a ser manipulado”. Assim, os jovens vão chegando, criando aversão pelos “velhos”, fazendo mil e uma funções e afundando a profissão.
Um exemplo disso é o aumento da multifunção entre os jornalistas mais novos. Eles acabam naturalizando a idéia de que podem fazer tudo, filmar, dirigir, iluminar, escrever, editar, blogar etc... A jornada de trabalho, que pela lei seria de 5 horas, nos dois estados pesquisados não é menos que 12 horas. Há um excesso vertiginoso. Para os mais velhos, além da cobrança diária por “atualização e flexibilidade” há sempre o estresse gerado pelo medo de perder o emprego. Conforme a pesquisa, os jornalistas estão sempre envolvidos com uma espécie de “plano B”, o que pode causa muitos danos a saúde física e mental. Não é sem razão que a maioria dos entrevistados não ultrapasse a barreira dos 20 anos na profissão. “Eles fatalmente adoecem, não agüentam”.

O assédio moral que toda essa situação causa não é pouca coisa. Colocados diante da agilidade dos novos tempos, da necessidade da multifunção, de fazer milhares de cursos, de realizar tantas funções, as pessoas reprimem emoções demais, que acabam explodindo no corpo. “Se há uma profissão que abraçou mesmo essa idéia de multifunção foi o jornalismo. E aí, o colega vira adversário. A redação vive uma espécie de terrorismo às avessas”. Conforme Heloani, esta estratégia patronal de exigir que todos saibam um pouco de tudo nada mais é do que a proposta bem clara de que todos são absolutamente substituíveis. A partir daí o profissional vive um medo constante, se qualquer um pode fazer o que ele faz, ele pode ser demitido a qualquer momento. “Por isso os problemas de ordem cardiovascular são muito frequentes. Hoje, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) e o fenômeno da morte súbita começam a aparecer de forma assustadora, além da sistemática dependência química”.

O trabalho realizado por Roberto Heloani verificou que nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro 93% dos jornalistas já não tem carteira assinada ou contrato. Isso é outra fonte de estresse. Não bastasse a insegurança laboral, o trabalhador ainda é deixado sozinho em situações de risco nas investigações e até na questão judicial. Premidos por toda essa gama de dificuldades os jornalistas não tem tempo para a família, não conseguem ler, não se dedicam ao lazer, não fazem atividades físicas, não ficam com os filhos. Com este cenário, a doença é conseqüência natural.

O jornalista ganha muito mal, vive submetido a um ambiente competitivo ao extremo, diante de uma cotidiana falta de estrutura e ainda precisa se equilibrar na corda bamba das relações de poder dos veículos. No mais das vezes estes trabalhadores não tem vida pessoal e toda a sua interação social só se realiza no trabalho. Segundo Heloani, 80% dos profissionais pesquisados tem estresse e 24,4% estão na fase da exaustão, o que significa que de cada quatro jornalistas, um está prestes a ter de ser internado num hospital por conta da carga emocional e física causada pelo trabalho. Doenças como síndrome do pânico, angústia, depressão são recorrentes e há os que até pensam em suicídio para fugir desta tortura, situação mais comum entre os homens.

O resultado deste quadro aterrador, ao ser apresentado aos jornalistas, levou a uma conclusão óbvia. As saídas que os jornalistas encontram para enfrentar seus terrores já não podem mais ser individuais. Elas não dão conta, são insuficientes. Para Heloani, mesmo entre os jovens, que se acham indestrutíveis, já se pode notar uma mudança de comportamento na medida em que também vão adoecendo por conta das pressões. “As saídas coletivas são as únicas que podem ter alguma eficácia”, diz Roberto.

Quanto a isso, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Rubens Lunge, não tem dúvidas. “É só amparado pelo sindicato, em ações coletivas, que os jornalistas encontrarão forças para mudar esse quadro”. Rubens conta da emoção vivida por uma jornalista na cidade de Sombrio, no interior do estado, quando, depois de várias denúncias sobre sobrecarga de trabalho, ele apareceu para verificar. “Ela chorava e dizia, `não acredito que o sindicato veio´. Pois o sindicato foi e sempre irá, porque só juntos podemos mudar tudo isso”. Rubens anda lembra dos famosos pescoções, praticados por jornais de Santa Catarina, que levam os trabalhadores a se internarem nas empresas por quase dois dias, sem poder ver os filhos, submetidos a pressão, sem dormir. “Isso sem contar as fraudes, como a de alguns jornais que não tem qualquer empregado. Todos são transformados em sócios-cotistas. Assim, ou se matam de trabalhar, ou não recebem um tostão”.

A pesquisa de Roberto Heloani é um retrato vivo, chaga aberta, de uma realidade nacional. Os jornalistas espelhados aqui tem uma única opção: lutar de forma conjunta, unificados e dentro dos sindicatos. As derrotas vividas com a decisão do STF fragilizam e consomem ainda mais os profissionais, mas, a história humana está aí para mostrar que só a luta muda as coisas. Saídas individuais podem servir a um ou outro, mas quando uma categoria luta junto, ela vence! Assim é!

terça-feira, 27 de julho de 2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Na ilha de Patmos

Caverna onde São João escreveu o Apocalipse

Minha mãe era uma cristã devota e desde pequena estive mergulhada no mundo jesuânico. Por outro lado, meu pai era um compulsivo comprador de livros e aprendi a ler num desses que tratavam dos deuses e mitos gregos. Depois, mais crescida, me apaixonei pelos deuses originários aqui de Abya Yala. O resultado é que vivo submersa nestes mundos todos, cheios de deuses pagãos, mitos e santos cristãos. Nem perguntem como, mas consigo conviver com todos de forma muito harmônica. Creio que é porque, ao final, tudo é muito parecido. Os deuses, sejam lá quais forem, são as redes onde descansamos nossos corpos despedaçados.

Pois foi cheia de reverência que cheguei à ilha de Patmos, na Grécia. Lá eu encontraria duas figuras que tinham muito importância para mim. A primeira delas era a grande Ártemis, a esplendorosa deusa da caça, adoradora da lua. E a outra era a do mais amado apóstolo de Jesus, João, que naquele lugar recebeu a revelação do livro sagrado do Apocalipse.

Patmos é uma das muitas ilhas do belíssimo mar Egeu. Tem pouco mais de 36 quilômetros quadrados e uma população que não passa das três mil almas. Ali, o ponto onde acorrem os turistas é a famosa caverna onde João teria escutado a voz de Jeová. E ali está ela, no alto da formação rochosa, com uma deslumbrante vista para o mar. Mas, o que era no ano 95 D.C. apenas uma cova no alto da montanha, agora é um lugar de peregrinação dos cristãos. A caverna se mantém, mas lá dentro há um belíssimo altar, com os famosos afrescos bizantinos.

Envolto em prata está o buraco onde João descansava a cabeça e também o outro onde ele colocava a mão para erguer o corpo já envelhecido. Também se vê uma espécie de púlpito, entranhado na rocha, lugar que teria servido de apoio para o escrivão do apóstolo, o jovem Próforo. No alto da caverna pode-se ver a rocha fendida, dizem, pela voz troante do próprio deus pai. Lá dentro são proibidas as fotos e as gentes entram e saem em profusão. Praticamente não há tempo para um encontro místico com aquele que foi o amado do Senhor.
A caverna de João agora está protegida por uma imensa fortaleza, dentro de cujos muros está um enorme mosteiro, construído por Alexandre I em 1.088, logo depois do cisma da igreja que resultou na divisão entre a Igreja Católica Romana e a Ortodoxa.

Ali, durante muito tempo, esteve guardada uma grande biblioteca, considerada a mais rica dos países balcânicos. Hoje, no museu que fica dentro do mosteiro, é possível se ver coisas como parte do evangelho original de São Marcos, escrito em pele de cabra, a carta do imperador Alexandre I autorizando a construção do mosteiro, o Livro de Jó, e um livro pintado à mão de Gregório da Capadocia, além de outras relíquias da igreja ortodoxa. Também no mosteiro é possível observar a diferença radical que existe entre a arte católica, baseada em temas, e a bizantina (oriental), que se concentra nas figuras humanas, sempre retratadas de forma muito simples, mais voltada à espiritualidade.

Na ilha de Patmos seguramente 100% das pessoas professam a fé cristã. Já quase ninguém se lembra da deusa originária, Ártemis. Por isso, quando, no meio do mosteiro cristão, eu insisti em saber da deusa, a guia mostrou-se hesitante. “Já ninguém mais fala dos deuses antigos”, disse, incomodada. Depois, num átimo, lembrou-se que sua mãe chama-se Artemísia, coisa que deveria ser em memória da deusa. E mais surpreendida ainda contou que se chamava Vera, nome da filha de Glauco, a mais amada sacerdotisa de Ártemis. “Não sei se minha mãe pensou nisso quando me deu este nome”. Eu, já tomada pela energia da deusa, entendi que sim. Ali estava viva, a cultura originária, ainda que subsumida pela cristandade. Vera contou também que o lugar onde pisávamos - o chão de mármore do mosteiro - era herança dos tempos antigos. Bem ali era o templo de Ártemis, que foi destruído para que se fizesse o mosteiro, embora a base permanecesse. Lembrei de nossa América Latina, dos templos maias, astecas e incas, todos derrubados, dando lugar a igrejas, com os deuses sendo solapados pelo deus cristão. Tudo tão igual.

Mas, ainda que soterrada, a cultura antiga encontra seu lugar no museu do mosteiro. Num cantinho, alguns mármores do velho templo da deusa da caça estão expostos. A linda Ártemis vive no seio do mundo ortodoxo cristão. Lá fora, o vento forte anunciava o cair da tarde, o mar Egeu, espaço de Posseidon, se agitava. Saímos impregnados daquela profunda impressão, causada pela mistura de duas culturas tão distintas, que simbioticamente convivem. Ártemis, não mais cultuada, mas não esquecida e João, o apóstolo, com sua visão de fim de mundo. Dois guerreiros, enfim. Ainda em luta no coração dos gregos.

No alto do mosteiro, estas duas culturas pareciam mesmo vivas. De um lado, os austeros monges, com suas sotainas pretas e barbas grandes. Do outro, Vera, a guia, vestida numa túnica branca, vaporosa, a própria imagem da deusa. Em pleno século XXI eu via Ártemis, na porta do mosteiro, a acenar. A caçadora ainda não fora vencida! Lá, como cá, os deuses antigos assomam, ainda que não se queira.


Bar do Chico reviveu


Simbolicamente, o patrimônio imaterial do povo do Campeche ressurgiu na areia.

Comunidade do Campeche faz protesto por derrubada do Bar do Chico

Bar do Chico reconstruído

O sábado chorou, porque até a natureza sabia que o Bar do Chico era espaço coletivo, das gentes do Campeche. Mas, mesmo com chuva o povo foi para a praia levantar as bases de mais um momento de luta comunitária. Em meio à chuva, o velho bar voltou à vida. Chegou pelas mãos do artista-poeta Paulo Renato Venuto que, durante uma semana inteira investiu na re-criação do bar.

Assim, enquanto a polícia espiava, pronta para intervir se acaso o povo quisesse levantar uma construção, os garotos chegaram com o bar pronto, em miniatura, um gesto poético que mostrou o quanto a força bruta jamais consegue deter a memória. Ali estava o bar com suas paredes pintadas, sua cerca treliçada de madeira, seu telhado, sua aura, seu jeito campechiano. Então, em volta dele se juntaram as gentes. Cada um disse sua palavra, falou do que significava tudo aquilo, do absurdo que era a prefeitura derrubar o bar e deixar todo um mundo de hotéis, condomínios e casas de luxo em pé. Por que esta sanha contra o velho bar? Por que este ódio contra um espaço comunitário do povo guerreiro do Campeche?

A resposta todos sabem muito bem. O Campeche é comunidade de luta. É gente que se junta para decidir seu destino, é gente que briga contra as propostas de destruição ambiental, que enfrenta os poderosos, que denuncia os corruptos políticos de plantão. E, para os que mandam, essa gente merecia um cala-boca. Para isso decidiram atacar um homem velho, que desde os anos 60 tem sido uma referência no bairro, dando a ele, inclusive, filhos, que, participando ativamente da vida política da cidade, também dão trabalho ao poder.

O Campeche precisava de uma lição por conta de toda a sua luta por um plano diretor que respeitasse a vontade de seu povo. Desde a primeira vez que a prefeitura, ainda sob a gestão de Angela Amin, quis colocar no bairro mais de 400 mil pessoas, essa gente lutou. E agora, com Dário, o povo continuou emperrando os projetos absurdos tais como o do emissário que levaria toda a merda da cidade para o mar. Então, numa manhã brumosa, vieram as máquinas e derrubaram tudo, apesar de toda a comunidade ser contra. Foi uma vingança do poder contra aqueles que barram seus interesses.

Neste sábado a comunidade se reuniu para realizar um ato político/poético. Mas isso não significa que vai ficar só nisso. A proposta é realizar novos encontros e organizar a re-construção real. Aquele é um espaço histórico, patrimônio imaterial do Campeche. O poder público sabe que esta comunidade não é de brincadeira e ninguém pisa no pé do Campeche impunemente. Ninguém aqui vai se intimidar com as ameaças das autoridades que não tem moral alguma para fazer valer sua voz. O sábado serviu para protestar e discutir estratégias. Essa comunidade aguerrida vai saber como responder a esse ataque obtuso. É só esperar. Como diz a valente Débora Daniel. “Nós vamos brigar!” Como? Isso a cidade logo vai saber!