Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 23 de julho de 2010

As mulheres originárias


A cidade nos reserva surpresas inauditas. Andando apressada em direção ao almoço, cabeça baixa, cheia de minhocas a minhocar, de repente, eu as vi. Estavam ali, lado a lado, no chão, em meio à algaravia das gentes que passavam rumo ao centro de compras da Trindade. Cada uma delas oferecia, no mercado, o produto que lhes permite seguir tocando a vida. Uma expunha os ecos de sua cultura milenar: cestos, maracás, colares, bichos de madeira. A outra, exposta ao turbilhão do sistema, oferecia lenços da moda. Todas duas tinham ao lado uma criança, a lhes exigir cuidados. Tão perto e tão longe.

As mulheres com as quais me deparei eram uma guarani e uma kichwa, respectivamente do Brasil e do Equador. Duas originárias, filhas legítimas da terra de Abya Yala. A guarani vive no morro dos cavalos, na aldeia, e vem todos os dias tentar ganhar um troquinho que trocará por comida. A kichwa vem de Cotopaxi, com um grupo grande de migrantes que saiu do Equador em busca de vida melhor. Os maridos, filhos e parentes cantam e dançam nas ruas enquanto elas vendem produtos da moda comprados em quantidade.

As duas mulheres originárias estão ali, na esquina da UFSC. Estão perto, mas não se falam. Vivem cada uma no seu mundo particular, sem comunicação. Sem se dar conta, talvez, que são irmãs, iguais na condição de povos primevos, donos desta imensa terra. Estão na rua, sentadas no chão frio, esperando que algum passante apressado se interesse pelos seus produtos. Disputam a calçada de um lugar que lhes pertence.

As mulheres originárias não se conhecem, não se olham, não se falam. Submetidas estão ao modo de ser ocidental, de competição e indiferença. As mulheres originárias precisam se conhecer, e saber... Hoje o dia passou, mas segunda-feira eu vou apresentá-las! Alguma coisa haverá de mudar naquela esquina da UFSC...

A Grécia, a crise e a desconexão


Quando desci no aeroporto de Atenas/Grécia, na calorenta manhã do dia sete de julho de 2010, já sabia que aquele país e a América Latina tinham ligações muito estreitas. Afinal, fora nele que se inspirara o libertador Simón Bolívar quando, em 1824, chamou o famoso Congresso Anfictiônico do Panamá, com o propósito de criar um grande bloco que unificasse toda a América hispânica, a Pátria Grande. Bolívar tentava fazer aqui o haviam realizado os povos pan-helênicos da Grécia antiga, que juntavam 12 grandes cidades-estado para discutir e decidir sobre suas vidas de maneira conjunta. Visionariamente, Bolívar queria fazer nesta parte do mundo, o que a União Européia logrou, em parte, logo após a assinatura do Tratado de Maastrich, em 1992. Este acordo juntou, num primeiro momento, 12 estados-nação num único bloco chamado em princípio de Comunidade Econômica Européia. Era o início da época dos grandes blocos econômicos que mudariam, uma vez mais, a cara do capitalismo mundial. Assim, carregando essa linha de tempo, entre o mundo antigo, Bolívar e Papandreu, arribei na terra dos deuses, num momento em que a inclusão da Grécia na agora chamada União Européia (hoje com 27 países) cobrava do povo a exorbitante fatura.

No caminho para o hotel, o motorista do taxi, já bem familiarizado com a rota turística, avisou, pesaroso: “amanhã não haverá o que fazer. Teremos uma greve geral”. Ruim para os turistas, que sequer conseguiriam embarcar nos ferry-boats que fazem os caminhos do “azulérrimo” mar Egeu, não para mim. Perguntei sobre a crise e ele respondeu que a coisa estava feia. “Os turistas estão indo para a Turquia, a vida lá está melhor”. Os taxis são presença absoluta em Atenas. Não passa um minuto sem que algum assome pela rua. É que a cidade recebe diariamente milhares de turistas (50 milhões ao ano). E mesmo este serviço está sob o fogo do chamado “sacrifício” imposto pelo governo. As taxas foram aumentadas e mesmo com o reajuste da bandeirada que passou de 2,90 euros para 3,90, o lucro diminuiu. A greve geral do dia 8 seria a sétima do ano e a cidade já vivia um clima de tensão. Uma olhada para a magnífica Acrópole seria suficiente para compreender o caráter do povo grego. No tempo dos deuses antigos, sua impiedade, insaciedade e crueldade levaram os homens a desafiá-los, tirando-lhes para sempre o poder de decidir sobre suas vidas. Se naqueles dias os gregos disseram basta aos sacrifícios, porque, afinal, voltariam a fazê-los em nome de uma dívida que não contraíram? Será que os governantes do Partido Socialista (que atualmente governa a Grécia) não conheciam seu próprio povo? Estas eram as perguntas que me assaltavam pelas ruas da grande cidade de Atenas, que abriga cinco milhões de almas.

As causas da crise
A bancarrota do sistema fiscal grego não é coisa de agora, portanto, não brotou do nada. Ela é fruto de várias políticas que vieram se fortalecendo nos últimos 20 anos, na qual se inclui a entrada do país no âmbito do euro, e da tomada indiscriminada de empréstimos que levaram a uma dívida externa astronômica, hoje quase em 300 milhões de euros. Para os trabalhadores que lutam contra o pagamento desta dívida, o processo começou a pesar com a entrada de recursos para financiar as Olimpíadas em 2004. Fazia quase 200 anos que a Grécia estava fora do circuito dos jogos que inventara antes de Cristo, e a histeria por realizar os jogos outra vez na sede original exigiu demasiado da população. Naquele período a Grécia investiu perto de nove bilhões de euros para a construção de novos estádios, reforma de outros e infraestrutura para acomodar atletas, imprensa e visitantes. A conversa que a população ouvia era de que estes recursos iriam melhorar também o transporte público, a segurança, etc.. ou seja, a mesma cantilena de sempre, ou para ficarmos no âmbito grego, nada mais que “um canto de sereia”. Todo este dinheiro foi dívida contraída e que agora começou a ser cobrada, gerando a crise. Para se ter idéia, em 2009 escoaram 41 milhões de euros só em pagamento de dívida.

Para nós, latino-americanos, que convivemos desde há décadas com as agruras do pagamento de juros da dívida parece mais fácil compreender o mecanismo detonado na Grécia. Assim como aqui, o governo passou estes anos todos pagando apenas juros, sem conseguir avançar no principal. Com o aumento exponencial da dívida e a corrida dos credores para receber o que lhes é devido, o governo aplicou a mesma velha receita neoliberal. Corta na carne do povo, mas segue pagando a dívida. Na televisão, o discurso dos governantes é o do sacrifício. “Para salvar a Grécia, a população tem de dar sua cota”. Mas, quando as dívidas foram feitas, a população não foi convidada ao banquete.

Não bastasse cortar o salário mínimo, diminuir o soldo dos funcionários públicos, aumentar a idade para aposentadoria, diminuir o valor das pensões, cortar gastos na educação, saúde, segurança etc... o governo grego propõe como saída para o desastre a contratação de mais um empréstimo, via FMI, o famigerado banco responsável pelas medidas de ajuste em toda América Latina nos anos 80 e 90, que, bem comparando, são as mesmas aplicadas agora pela Grécia. Tudo é uma eterna repetição. Mas, como a mídia não contextualiza nada, isso não aparece em nenhum jornal ou TV. Assim, pede-se sacrifício ao povo para sustentar mais uma bola de neve de dívida sobre dívida, cujos euros sequer sairão dos países credores. É que a dívida da Grécia foi feita junto aos mesmos que agora emprestam outra vez, mais de 100 milhões de euros com taxas de 5%, consideradas altíssimas. É um conto digno de uma tragédia grega. E a ironia é que o slogan do partido que hoje comanda esta “desgraça” é “A Grécia para os gregos”. Nada mais fora de lugar.

A greve geral
No dia 8 de julho tudo parou em Atenas. Era dia de greve geral. Bem cedinho já era possível observar o vai-e-vem dos soldados em várias ruas do centro. Eles se colocavam em lugares estratégicos, com escudos, bombas e armas pesadas, prontos para enfrentar a multidão. Da mesma forma, pelos mesmos caminhos estreitos das ruas do centro, também assomavam as gentes. Muitos jovens, com bandeiras do partido comunista, mulheres e até crianças. Todas as veredas levavam ao centro nervoso da cidade, próximo à Sintagma, a praça do parlamento.

Pelo meio do povo, um homem velho arrastava um enorme carro cheio de várias qualidades de sementes. Levava bem para o meio da passeata, pois ali teria cliente certo. Os gregos gostam de beliscar típicas sementes salgadinhas e outros “petiscos” que não consegui identificar. A caminhada gigante que circulava pela praça e as palavras de ordem não pareciam afetá-lo. Estava ali apenas para ganhar um dinheirinho. Como ele, também desfilavam os imigrantes paquistaneses, vendendo água. Da mesma forma como o homem do carroção das sementes, eles passavam com as caixas cheias daquele líquido precioso, no calorão da manhã, sem se afetar pela manifestação.

Já os negros, vindos de lugares como a Somália, Nigéria e outros pontos da África, apareciam com enormes sacolas e espalhavam mercadorias em alguma esquina, prontos a venderem carteiras ou óculos de sol, no melhor estilo dos nossos ambulantes, aproveitando a multidão. É que os imigrantes aqui na Grécia parecem ser os mais pobres entre os pobres. A eles não lhes toca a crise, pois é em crise que vivem desde que saíram de seus países para tentar uma vida nova na boa República Democrática Eleniká. Dizem os governantes que a terra dos filósofos é uma excelente porta de entrada para essas pessoas, cujo sonho é chegar à Europa rica, por isso eles são vistos aos borbotões, assim como também são perseguidos.

Num dia em que Atenas praticamente parou, sem transporte público de nenhuma natureza, sem comércio aberto, nem nada, apenas os negócios de lata ficaram abertos e seus donos estavam bem felizes, igualmente vendendo água, chocolates e biscoitos. Esses negócios são espécies de quiosques, feitos de lata, existentes a cada cem metros. Vendem essas coisinhas que não competem com os comerciantes mais abastados. Eles também reclamam da crise, pois os turistas, seus mais frequentes fregueses, diminuíram muito na Grécia desde o ano passado, quando começou a crise. Raros são os ambulantes no centro da cidade. Em compensação, os mendigos abundam. Muitos são homens jovens, que não encontram trabalho, e ficam a perambular pelas ruas. Também encontrei algumas senhoras, muito velhinhas, que chegam a andar curvadas, com suas mãozinhas enrugadas estendidas. Cena triste demais.

Já entre os trabalhadores que se manifestaram na greve geral ficava bem claro o número expressivo de jovens. Na caminhada das centrais sindicais GSEE e ADEDY e do Partido Comunista, eles eram os mais firmes no grito de ordem e na animação. Ninguém ali parecia derrotado, embora o parlamento tivesse votado no dia anterior pela reforma das aposentadorias. “Os direitos fundamentais não se apagam quando uma lei é aprovada. A luta por aqui vai continuar”, afirmavam. Também não havia choramingação em torno do fato de que o governo que aprovou esta lei e outras tantas medidas de arrocho seja um governo socialista. “As coisas são assim. Eles mudam e a gente luta. Se a gente continua, eles caem”.

Para os trabalhadores gregos não há qualquer sentido no plano de ajuda do FMI. Os grupos econômicos que viabilizarão o empréstimo de mais de 100 milhões de euros são os mesmos que são credores da Grécia. Ou seja, o dinheiro entra na Grécia e logo volta para as mãos de quem emprestou, uma vez que o principal ponto da crise é justamente a dívida que o governo tem com os bancos estrangeiros. “Os ricos que paguem a conta”, este é o grito de guerra dos que saíram às ruas no 8 de julho. Segundo eles, o tal ajuste, só ajusta a vida dos que sempre tiraram o escalpo do povo: os bancos. As medidas tiram 15% dos salários dos funcionários públicos, congelam as atuais aposentadorias e aumentam tempo e contribuição e idade para se aposentar. Algo muito parecido com o que aconteceu no Brasil em 2003.

A mídia eletrônica grega também nos apresenta uma sensação de estar em casa. Tirando a língua, absolutamente incompreensível para quem não a conhece, o resto é uma cópia do modelo CCN de fazer jornalismo. No dia da greve, por exemplo, parecia que era outro país que passava na TV. Poucas foram as notícias sobre a mobilização e as que apareceram vinham desconectadas, sem que o espectador pudesse compreender a totalidade dos fatos. Além disso, muitas são as matérias com governantes e legisladores afirmando que estas medidas são fundamentais para salvar a Grécia, o que leva uma boa parcela da população no bico.

Exemplo disso foi uma furiosa briga entre dois homens no trajeto da passeata. Um deles, irritado com a mobilização, começou a xingar, e um outro parou para argumentar. Ali ficaram por vários minutos a gritar um com o outro. Nenhum se convenceu. “Essa gente quer a derrocada da Grécia”, insistia o homem na calçada. Outro deja vu. Já os que seguiam pela rua bradavam que é o capitalismo o único culpado por tudo o que acontece, e não eles, os trabalhadores. “Os ricos que paguem”, insistiam.

Patrícia, uma brasileira que vive há 19 anos na Grécia, também não estava muito satisfeita com a greve. “Isso afasta os turistas”. Ela disse que desde que começaram as mobilizações os estrangeiros preferem ir para a Turquia, afetando assim toda uma rede de trabalho que vive do turismo. Ela conta que realmente as coisas estão bem ruins, pois o governo tem jogado a conta nas costas dos trabalhadores. “Os taxistas, por exemplo, estão tendo de pagar mais imposto e precisaram aumentar a bandeirada. Isso diminui os lucros deles. Tem gente que já não está mais conseguindo sustentar a família”. Mas ainda assim Patrícia parece não aprovar as passeatas e greves. “Temos que mostrar que a Grécia está em paz”.

Na Grécia o salário mínimo valia 650 euros, e agora baixou para 550, uma perda amarga para os que vivem na barra da miséria. Para se ter uma ideia, um lanchinho básico, com pão e café, não sai por menos de 8 euros. A passagem de ônibus custa 1 euro, e uma olhada nas vitrines que se apresentam, iluminadas, revela que um simples sapato custa 50 euros. Tudo está muito caro para o grego comum.

O dono de uma destas bodegas de lata, místico, fala que tudo começou a ficar pior na Grécia quando o governo decidiu abandonar a moeda histórica, o dracma, a mais antiga em circulação no mundo. Com a entrada da Grécia na União Europeia, essa foi uma exigência: adotar o euro. “Nossa moeda estava aqui desde os tempos antigos, fazia parte da nossa identidade. Sem ela, fomos ruindo”. O dracma foi criado ainda no tempo das cidades-estado, antes de Cristo, e eram medidas de pagamento. A versão moderna apareceu em 1833, com a independência, e foi usada até 2002, quando finalmente a Grécia entrou na zona do euro. Agora, com a crise, já tem economista falando que o país terá de renunciar ao euro. Mais um golpe. Nem euro, nem dracma. Que a grande Atena possa proteger seu povo.

O dia de greve geral acabou em clima de melancolia. Mesmo na alegre Plaka, um espaço de bares e lojas típicas, os turistas pareciam estar mais quietos, num reverente respeito ao povo que saiu pelas ruas durante o dia todo. Apenas um garotinho, tocando uma típica guitarra grega, cantava sem parar. Mas, ainda assim, seu canto não tinha alegria. Parecia mais um dolorido lamento. Só um pequeno grupo de jovens vestidos com camisetas que estampavam Che Guevara parecia estar bem. Eles atravessavam a rua com um riso bonito na cara, jeito de quem havia cumprida a missão. “Os ricos que paguem”, falei em grego macarrônico. Eles fizeram o sinal de positivo e se perderam nas ruazinhas do bairro. Lá de cima da Acrópole, os deuses também sorriram.

As saídas
Os sindicatos na Grécia vivem um momento de ascensão, mas muito arrastados pelos trabalhadores. Assim como em todo mundo, as coisas andavam em baixa. Pouca credibilidade, pouca mobilização. Com a vida cobrando seu preço no dia-a-dia, os trabalhadores foram exigindo respostas das instituições. Os mais organizados são os de trabalhadores públicos, possivelmente os que estão levando a pancada maior, mas, agora, também os do setor privado começam a levantar. De qualquer forma não há uma proposta clara e unificada por parte das forças de esquerda sobre as saídas para a crise. Fala-se em não pagar a dívida, mas esse é um discurso simplista, de agitação. Não pagar exigiria um ordenado plano entre as instituições sociais e o governo, para que o país não fosse jogado num redemoinho ainda pior.

Poucos são os que falam em uma auditoria da dívida, como a que aconteceu no Equador, por exemplo, para que o estado pudesse ter clareza do que, nestas transações, no mais das vezes leoninas, é verdadeiramente legal. Os contratos estudados pela comissão da dívida do Equador mostraram o quanto estes acordos estão eivados de ilegalidades. E, a considerar que são quase os mesmos credores, uma auditoria poderia dar uma radiografia segura sobre a legitimidade da dívida. Mas, isso é bem pouco tratado entre a esquerda. Há os que propõem a saída da zona do euro e a recuperação de uma moeda própria, embora se encontre uma articulação mais concreta. São falas sindicais ou populares. No parlamento a maioria esmagadora está com o governo e faz o discurso do sacrifício. Há que apertar o cinto, dizem, mas esta proposta é só para o povo.

Entre os militantes do Partido Comunista há a preocupação em sair do âmbito das questões meramente econômicas. Eles querem que se discuta a propriedade privada, o papel dos monopólios e a posição da Grécia dentro da União Europeia. Muitos são radicalmente contra a participação do país na EU, entendendo esta conformação como imperialista e opressora. Na verdade, eles apontam a necessidade de uma outra organização da vida, desde a realidade grega, com os recursos que o país pode dispor. E que não são poucos. Apesar de ter uma economia aparentemente frágil, baseada na agricultura (5%), indústria (20%), e serviços (74%) a Grécia é rota de um fluxo permanente de turismo, e um turismo caro, de gente rica, que deixa milhões de dólares ao ano no país. Assim, uma alternativa grega é completamente possível. Mas, para isso, seria necessária a construção de um novo sujeito político, capaz de romper tanto com as velhas práticas da Nova Democracia, como com as práticas neoliberais deste socialismo opaco que representa o hegemônico Partido Socialista na atualidade. E, daí, juntar forças tão díspares da esquerda como os minoritários do parlamento, os trotskistas, maoístas e outros, não é coisa fácil. Nem na Grécia, nem em qualquer lugar.

De qualquer sorte, a chamada crise grega desencadeou uma força vital que é a mobilização popular. Nas ruas, o povo quer respostas, saídas, propostas de segurança. Os trabalhadores querem poder viver com dignidade, cuidar da família, pensar no futuro. E esse arrastão grego pode se espraiar por outros países da Europa que enfrentam os mesmos problemas. Na periferia da União Europeia, muitos países se equilibram em empréstimos para manterem a ideia de um equilíbrio do bloco. Só que, cedo ou tarde, como um castelo de cartas, isso pode vir ao chão. Entre os gregos, as propostas econômicas para a crise aparecem e são simples. Taxar as fortunas, aumentar os impostos aos empresários, controlar a evasão fiscal que é altíssima, fazer com que os grandes empresários paguem suas dívidas com o estado, exigir que as multinacionais paguem impostos, enfim..., mas isso não parece suficiente para consolidar uma frente de esquerda capaz de impor esse receituário.

Andando pelas ruas de Atenas, no meio da multidão das gentes de todo o mundo que para lá acorrem em busca de um passado mítico, o que nos aparece com absoluta claridade é a proposta de Samir Amin: a necessária desconexão. Ou os países apostam numa outra forma de organizar a vida que não seja o sistema capitalista, ou a destruição é ponto de chegada seguro. Esta lição vale tanto para os gregos como para todos nós. Afinal, hoje, o desvelamento desta “periferia” desgraçada da grande Europa, é a prova concreta de que no capitalismo, para que um viva, outro tem de morrer.




quarta-feira, 21 de julho de 2010

Até quando o mundo calará?

É inacreditável que em pleno século XXI o mundo ainda tenha de conviver com a barbárie promovida todos os dias pelo Estado de Israel. O povo palestino vive prisioneiro em sua própria terra, cercado por muros gigantes. As famílias estão separadas, amigos não podem se ver, amores são destruídos. Tanto se falou do muro de Berlim, tanto se comemorou sua queda. E agora? Por que não se fala do muro de Israel? Por que ninguém grita contra esse abuso? Liberdade para o Palestinos. Que se destrua o muro da vergonha!


domingo, 18 de julho de 2010

Derrubaram o Bar do Chico, mas ele voltará!...


No raiar da manhã de uma sexta-feira de muito frio vieram os homens e as máquinas. Não avisaram ninguém. Em minutos, derrubaram o Bar do Chico, ponto cultural da comunidade do Campeche, que está na praia desde 1981. Lugar que é reconhecido pelas pessoas que vivem no bairro como espaço coletivo de encontro e lazer. É, porque o Campeche, até hoje, sequer um praça tem. Os espaços coletivos são os que a própria comunidade cria e o Bar do Chico era um deles.

Seu Chico é um homem simples, pescador, que nasceu e viveu toda sua vida no Campeche. Do mar, tirou o sustento dos 13 filhos que criou. Mas, quando no início dos anos 80, os barcos industriais começaram a varrer o mar, tirando o pão da boca dos pescadores artesanais, ele precisou se virar. Naqueles dias não havia quase nada no Campeche, a não ser os ranchos de pesca que acolhiam as canoas e os homens. Então, do rancho nasceu o bar e, logo em seguida, o lugar virou o coração do Campeche.

O Bar do Chico estava na beira da praia, feito de madeira e palha. Lugar simplesinho, como Chico. Não havia cercas, era território liberado para as famílias que vinham à praia, para as crianças pegarem uma sombra, para o uso gratuito do banheiro nestes tempos em que se paga para tudo. No bar do Chico as gentes celebravam o começo do ano, o meio do ano, a chegada do verão, da primavera, das tainhas, o carnaval. Era a praça coletiva.

Então, deu que o filho do Chico, Lázaro, se fez vereador. Homem sério, decidido, resoluto, do lado dos empobrecidos, dos sem casa, sem terra, sem nada. Incomodou demais. Angariou inimigos. Sem ter como atingi-lo, os políticos que se acham donos da cidade, decidiram se vingar no pai. Começou a perseguição ao Bar do Chico. A alegação é de que o mesmo estava construído nas dunas e isso não podia ser. Mas, por outro lado, por toda a parte, as dunas do Campeche iam sendo tomadas e não havia ninguém querendo destruir nada. Só o Bar do Chico.
É que o Campeche é um bairro chato demais. Aqui as pessoas participam da vida da cidade, elas fazem reuniões, brigam com a prefeitura, apresentam propostas, não aceitam a especulação, enfrentam empresários, fazem o diabo. As gentes do Campeche são incomodativas demais. Então, precisava um baque, um golpe só, para quebrar a espinha, a alma forte das famílias pescadoras.

Por quase vinte anos pairou a ameaça de derrubada. Mas, o povo nunca permitiu. Quando se anunciava a vinda, lá estava a comunidade, vigiando. Então, nesta sexta, vieram sem aviso. E quebraram a espinha do Campeche. Na manhã de sábado, na sede da Rádio Comunitária, as pessoas chegavam aos borbotões. Vinham chorando, indignadas, iradas, resolutas, aquilo não ficaria assim. Ninguém estava imóvel. O golpe não vingara. Não se quebrara a espinha, não se destruíra a alma. Pelo contrário. O que assomava era a velha e renovada força popular. “Reconstruiremos!”, diziam...

O Bar do Chico caiu. E todos sabem por quê. Por outro lado, enquanto a tal da “justiça” cristaliza uma vingança em cima de um homem velho e de uma comunidade guerreira, a Casan (estatal que cuida da água e do esgoto) premia os invasores privados das dunas com a passagem de rede de esgoto nas suas casas. O mesmo estado que derruba o espaço comunitário e livre do Campeche, é o que arranca 16 milhões de reais dos cofres públicos para construir um molhe na Praia da Armação, unicamente para salvar as propriedades privadas de famílias que invadiram a beira do mar. A justiça que derruba o coração do Campeche é a mesma que permite que o famoso jogador de tênis, Guga, desfrute privadamente das dunas e da praia do Campeche. A prefeitura derruba o Bar do Chico ao mesmo tempo em que libera a construção de casas no Morro do Lampião. Ou seja, para os ricos tudo, para as comunidades nada.

O que aconteceu nesta sexta-feira no Campeche não é nada de novo. É o estado e a justiça, instrumentos de uma classe, usando seu poder sobre quem lhes incomoda. A prefeitura, incomodada com os entraves ao plano diretor que o Campeche sempre põe, quis dar uma lição às gentes. Um cala a boca. Não vai conseguir.

O povo do Campeche quer seu espaço de volta e vai reerguê-lo com as próprias mãos, a menos que cada casa, cada hotel, cada condomínio, cada espaço privado seja também demolido. Se não for assim, o Bar do Chico vai viver outra vez. Ah, vai...

E o primeiro momento de reconstrução acontece neste sábado, dia 24, a partir das três horas da tarde. O Campeche está convidando toda a cidade para vir ajudar. Aqui não vai acontecer como no poema, no qual eles vem, pisam o nosso jardim e ninguém diz nada. Aqui, quando alguém pisa no jardim do vizinho, as gentes se levantam. Hoje pisaram no jardim do Campeche. Pois vão conhecer a força do povo!

Ato Público: Dia 24 de julho. 15h. Em frente ao bar do Chico. Traga seus instrumentos de trabalho.