Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 26 de março de 2010

Estudantes da UFSC protestam

DCE comandou protesto que exigiu da adminsitração central prioridade com o ensino. A manifestação durante a inauguração de um lago e uma obra de arte, lembrou das filas do RU, da falta de salas de aula, de professores e de livros. Os alunos pularam no lago e deram seu recado.


Carta dos Estudantes

Por anos, a alusão à arte na UFSC não tem passado de um mero letreiro em latim “ars et scientia” a ser contemplado na sua bandeira e no seu brasão. Mas, o que percebemos, efetivamente, é o quase total descaso com a arte e sua concepção como elemento fundamental para formação humana. Em contraponto a este abandono, o DCE vem, desde o ano passado procurando justamente tirar a arte e cultura dos espaços elitizados e ressuscitar este tema no seio da Universidade; enfatizando como a arte pode ser um instrumento de reflexão da realidade e com isso assumindo o desafio de torná-la acessível e inteligível, ao mesmo tempo não perdendo sua capacidade reflexiva e crítica.

Apoiamos, portanto, o incentivo da Administração da UFSC em fomentar a cultura regional trazendo um importante personagem folclórico catarinense para o campus e preenchendo um espaço da Universidade, até então vazio, com arte.

Além desta escultura, os estudantes, ao inciarem o semestre, se depararam com várias outras surpresas. Uma foi o lago revitalizado, bonito e com patinhos nadando, a outra, e esta, a obra de maior impacto artístico-cultural, é o circo ocupando o lugar da terceira ala do Restaurante Universitário. O que questionamos, não é apenas o valor utilizado para a construção dessa obra, por sinal 171 mil reais, mas sim a rapidez com que a obra ficou pronta.

Enquanto a reitoria se esforçou em manter as obras da reforma do lago, estamos com algumas obras a ser concretizadas, como a nova cozinha do RU. Outras obras nem saíram do papel, como o novo Restaurante Universitário e a reforma do prédio com o segundo maior número de goteiras, o Centro de Convivência, só perdendo para o esquecido CFM, que está há pelo menos 45 anos com a estrutura totalmente avariada e abandonada.

Ainda temos os estudantes do curso de Pedagogia tendo aulas em auditório, pois prédios de salas de aula não são construídos; estamos, também, recebendo no DCE estudantes de novos cursos querendo abrir Centros Acadêmicos, mas como obter sedes se nem ao menos temos salas de aulas suficientes para todos os cursos? Tudo aqui é na base da improvisação. Além disso, a Universidade está com um número de professores substitutos acima do permitido e ainda assim temos muitas turmas sem aulas por falta de professores.

O que queremos mostrar, é a total falta de prioridade que a reitoria tem apresentado. Lembramos que não desmerecemos essa obra pela carga cultural que ela oferece, mas é um absurdo que enquanto estudantes comprometem seu aprendizado por falta de aula, enquanto muitos precisam passar eternidades em filas gigantescas, a Administração resolve priorizar reformas menos urgentes. Não basta apenas garantir as construções e reformas necessárias, é preciso entender que toda obra de administração publica só se realiza no prazo quando há devida força política por trás dela. Hoje estamos comemorando a inauguração desta obra, ao invés de, por exemplo, inaugurarmos o novo prédio do restaurante universitário, conforme a promessa do reitor, não por problemas externos, mas porque não foi dada devida prioridade da administração.

Hoje gostaríamos de estar comemorando a inauguração da 3ª ala do RU, ou a construção de novas salas, ou a contratação de professores, ou novas moradias estudantis, ou ampliação da biblioteca, ou, ou, ou... Tantas outras prioridades que nesse contexto de comemoração pouco temos para comemorar. Ao menos nos restam os patinhos que, ao contrário dessa ilustre administração do Século XXI, tornam a UFSC um lugar mais alegre e melhor de se viver.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Na frente de Jesus

E ali estavam eles, na procissão... O Cristo seguia atrás, e chorava!

Pois eu fui à procissão


Eu sempre vou à procissão do Senhor dos Passos. Acho bonito de ver a expressão de fé de tanta gente. Essa coisa louca que leva as pessoas a se agarrem a uma esperança, um desejo de se ver acolhido e de acolher. Causa-me profunda emoção observar as velhinhas, com seus terços, a chorarem vendo passar a triste imagem de um deus derrotado, torturado, em sofrimento. É como se, naquela hora, homem e deus se reconhecessem iguais: impotentes diante do poder.

Pois neste domingo fui à procissão, esta que já acontece há 244 anos, aqui, na capital dos catarinenses. Foi em 1766 que a enorme imagem de Cristo sob a cruz chegou. Conta a lenda de que era para ir ao Rio Grande do Sul, mas o barco não conseguia avança e o capitão entendeu que era desejo do senhor ficar nas terras desterrenses. A imagem ficou e virou motivo de adoração. Desde então o povo acorre para lhe render graças.

Neste dia 21 de março mais de 20 mil pessoas saíram às ruas de Florianópolis para reverenciar aquele que morreu na cruz, torturado e violentado por romanos e judeus. O homem que pregava o amor, a igualdade, a partilha, o que afrontou o poder com seus desejos de transformação radical. Eu busquei o melhor lugar para observar as gentes e também para, igualmente, partilhar daquela dor infinda que imagino tenha vivido o Jesus histórico, virado homem, na tortura da cruz.

Então, do homem em sofrimento, curvado pelo peso da cruz, meus olhar fugiu para a expressão de uma quase heresia. Bem a frente da estátua, um grupo de pessoas segurava um pequeno toldo debaixo do qual ia o bispo Dom Murilo, em sua pompa episcopal, contratando com o manto humilde que levava o deus. Pisquei duas vezes. Era real. Quem levava o toldo eram aqueles que no dia-a-dia são os responsáveis diretos por tantos males que o povo tem de viver. Na frente iam o prefeito Dário Berguer e o governador Luis Henrique. Mais atrás, o vereador Gean Loureiro e a deputada Angela Amin, seguida do jornalista Moacir Pereira.

Ah, o poder e sua sede de dominação. Vale-se da fé, da desesperança, da dor humana e aparece, assim, em pompa, como se compartilhasse da mensagem histórica daquele que, caído, seguia-lhes. Meu coração se apertou e fui ficando para trás, enquanto a procissão passava lentamente. Pensei no código ambiental, aprovado para destruir, no plano diretor imposto pela prefeitura, no jornalismo cortesão, nos projetos nefastos, tudo vindo daquele pequeno toldo que abria a procissão. Arrogância, descaso, ilusão. “Corja, corja”, fiquei a resmungar. Então, do chão, ouvi um “ô, ôô...”. Olhei. Eram três homens, caídos como o da estátua, e, com eles, uma garrafa de pinga. Eles me observavam e perceberam que eu falava dos governantes. “Ninguém tá vendo eles, olha só... o povo olha pra Cristo”.

Os três bêbados, caídos no chão da praça, estavam certos. Ninguém os via. Os olhos das gentes se voltavam ao deus sob a cruz. Mulheres choravam, outras lhe jogavam beijos, as senhorinhas repassavam seus terços, os homens faziam o “pelo sinal”. Os olhares não se voltavam para o luxo em roxo da pompa igrejeira. O povo rendia homenagens ao seu deus. “Agora ele está assim (caído), mas no domingo de Páscoa ele renasce. Sempre renasce e fica com nós”, me dizia uma velhinha, pequena como um bibelô.

Eu deixei a procissão passar e fiquei ali, junto aos caídos, num silêncio reverente. Aqueles homens, que a sociedade nem nota, os que chamam de escória, foram, talvez, os únicos que verdadeiramente comungaram com Cristo naquela caminhada de dor. Eles, como o deus caído, sabem muito bem o que é estar sozinho na dor, excluído da vida digna, perdido da compaixão. No silêncio da praça vazia ficamos nós, irmanados no sentimento de que um dia, não será apenas “o senhor dos passos”, mas o passo das gentes, o povo unido e em rebelião que haverá de mudar este mundo. Os caídos se levantarão, as riquezas serão repartidas e a vida será plena. Coletivamente, passo-a-passo, avançaremos...