Diz o Rubem Alves que as pessoas engravidam é pelo ouvido. E creio nisso, afinal, somos um país oral. A educação - vide voto do presidente do STF, Gilmar Mendes, sobre o diploma de jornalista – não está ao alcance de qualquer um. Ela é relegada aos filhos da elite, esses sim precisam estudar e aprender. Os demais, só precisam da escola funcional, que dá o mínimo de competência para girar a máquina do capital. Por isso, a televisão é que acaba sendo a “universidade” das gentes.
Triste destino esse. Afinal, nada mais servil e mancomunado com a classe dominante do que a televisão. É ali, na telinha, que se expressa a ideologia do sistema capitalista, calcado na opressão. Espaço de meias-verdades e grandes mentiras. Lugar das bocas-alugadas, dos jornalistas a soldo da elite nacional entreguista. Claro que há exceções, mas isso só confirma a regra. Então, para a maioria, que se informa pelo tubo de luz, resta a de-formação, a universidade ao revés.
Nestes dias em que o mundo acompanha o golpe de estado em Honduras, pode-se perceber como o discurso vai mudando. Na primeira semana era o golpe e havia a condenação mundial. Não havia como não anunciar. Mas, ainda assim, os motivos mesmo do conflito ficavam perdidos no meio das dezenas de notícias desconectadas. Assim, ao final do telejornal, permanece apenas a sensação de que algo está passando em Honduras, mas não se sabe bem o quê. O certo é que é culpa de Hugo Chávez, o “monstro” venezuelano que quer ressuscitar o comunismo.
Neste sábado chegamos ao paroxismo do deboche. A CNN em espanhol que transmite via cabo para toda a América Latina, desde o começo da quartelada em Honduras tem claramente apoiado os golpistas. Eles são as estrelas, são os entrevistados e a vozes que falam por Honduras. Tudo bem, até aí nenhuma novidade já que a CNN é o braço midiático dos Estados Unidos na América Latina. Mas, desde hoje, a empresa que transmite direto de Atlanta, ainda que em espanhol, começou a chamar o governo de Micheletti de “governo interino”. Ora, essa é um pouco demais. Já não é golpe, já não é quartelada, é só um governo interino de transição. Mas de transição a quê?
O que é pior é que as redes brasileiras, acostumadas a chuparem tudo da matriz estadunidense, também começaram a reproduzir este “eufemismo” e os espectadores já estão sendo informados de que o “governo interino de Honduras está tendo de mandar o exército contra o povo porque o presidente irresponsável, Mel Zelaya, quer entrar no país”. Ou seja, o roteiro foi todo alterado. Zelaya é o responsável pelas mortes e prisões. Hugo Chávez é o mentor de tudo e o exército hondurenho, golpista, é “obrigado” a oprimir um povo que só quer ver respeitada a sua Constituição. Já Micheletti é o “interino”. Bem , Noam Chomski já desvelou esse bem urdido sistema de propaganda ideológica que é a mídia.
E no meio deste turbilhão de mentiras e discursos distorcidos, o povo, ouvinte, vai engravidando e dando à luz monstros informacionais, deturpados e disformes. A história vai mudando e a verdade vai se esfumaçando. Só fica o discurso dominante de apoio ao golpe, contra Chávez e contra o direito das gentes hondurenhas de ter uma vida melhor. Os repórteres falam que o governo “interino” de Honduras só quer fazer justiça e prender Zelaya. Seu crime: querer fazer uma consulta popular. Ninguém diz isso. E la nave vá. Minha esperança é que aquela gente simples que vejo na tela da Telesur possa resistir, sacar os golpistas do poder e restituir a verdade dos fatos.