Alzheimer/Velhice
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sexta-feira, 5 de outubro de 2007
Povo da Costa Rica diz não
Foi Cristóvão Colombo quem lhe deu o nome de Costa Rica, em 1502, na quarta viagem que fez ao novo mundo. E ali, naquelas terras, viviam pouco mais de 30 mil almas pertencentes aos povos güetares, chorotegas e borucas que lutaram bravamente pelo território até 1530, quando foram finalmente vencidos. Desde aí, o pequeno espaço viveu sob a dominação de Espanha, só se libertando no turbilhão emancipatório do início do século XIX. Mas, tal e qual outros países da América Central e do Caribe, a Costa Rica experimentou um período de crescimento que acabou em dependência econômica, com a instalação das malfadas “plantations” sob o comando da estadunidense United Fruit.
Durante os anos que se seguiram à independência, ocorrida em 1821, a Costa Rica passou por eleições livres, ditaduras e revoluções. E foi em 1948 que, uma guerra civil liderada pela esquerda, aboliu exército, até hoje sem existência na vida do país. Mais tarde, sob o governo de José Figueres Ferrer, no seu segundo mandato, em 1953, foram nacionalizados os bancos, impostas restrições às companhias estadunidenses e realizadas muitas reformas sociais que aprofundaram o caminho de mudanças.
Hoje, apesar de manter o sistema de governo baseado no poder civil, sem exército, o país tem enfrentado os mesmos problemas que os demais com relação à dívida externa, cada dia maior, trazendo com isso a dependência econômica, principalmente em relação ao seu vizinho mais perigoso: os Estados Unidos. Assim, apesar de os governos e os meios de comunicação costarriquenses alardearem a imagem de um país tranqüilo e ordeiro, os problemas da dependência se expressam nas periferias das cidades e no meio rural.
Não foi à toa que, num movimento gigantesco, começaram a surgir comitês patrióticos nos bairros, nas aldeias e nos distritos da Costa Rica, todos com o firme propósito de lutar contra a proposta governamental de implementação do Tratado de Livre Comércio com os “gringos”, assinado ainda em 2004. A luta popular que vem sendo travada isolou o governo na defesa do TLC e não houve outra saída a não ser submeter o assunto a um plebiscito. Na última semana, milhares de pessoas saíram às ruas de San José para dizer seu não sonoro a ratificação do acordo, que já vem fazendo estragos em outros países onde foi assinado. Apenas a Costa Rica não implantou ainda o tratado na América Central. A consulta popular acontece neste final de semana, domingo, e há grandes possibilidades de os costarriquenses vencerem esta peleia, o que vai ser muito importante para toda a América Latina.
A lógica do TLC é a tática estadunidense para formalizar acordos bilaterais que visam ocupar todo o continente, formando a seguir a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Esse projeto vem tendo contundente rechaço por parte da maioria das populações e encontrou um oponente à altura, que é a Alternativa Bolivarianas para as Américas, comandada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. Ainda assim, os Estados Unidos segue pressionando, principalmente os países mais endividados que, acossados, assinam o acordo transformando-se em mercado consumidor para produtos estadunidense, sem a devida contrapartida.
O resultado do referendo na Costa Rica, a se consolidar o NÃO, pode ajudar ainda mais os diferentes povos que atualmente lutam contra o projeto de nova colonização. Pois, mesmo nos países em que o TLC já foi assinado, sempre é possível revogá-lo, afinal, é o povo em luta quem define a lei. Se há gente na rua, as coisas mudam. E, se nos demais países as gentes seguem a férrea vontade dos costarriquenses, a vida pode mudar. Caso ganhe o “Não” a pequena Costa Rica será o primeiro país a recusar o acordo. Esse domingo será histórico!
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Uma nova universidade
As universidades brasileiras viveram nos meses de julho, agosto e setembro deste ano, mais um movimento de greve dos trabalhadores técnico-administrativos. Cerca de 150 mil cruzaram os braços em luta por um plano de carreira, melhores condições de trabalho, contra a idéia de Fundação Estatal, proposta pelo governo de Luis Inácio, e pela manutenção da universidade pública. O movimento, que durou mais de 90 dias, teve alguns ganhos financeiros, mas saiu derrotado no que diz respeito à pauta política. Isso porque a proposta de Fundação Estatal foi enviada ao Congresso Nacional e, a considerar o perfil do parlamento, pouca chance há de a sociedade, pouco organizada como está, barrar essa idéia. A Fundação Estatal é a saída que o governo encontrou para privatizar os serviços públicos no país, mascarando o processo que já está em curso via terceirização, e cujo primeiro alvo é o Hospital Universitário.
Não bastasse esse ataque aos HU, a universidade ainda enfrenta outra série de ataques privatizantes que passam pelo Prouni, Lei de Inovação, Reuni e outras tantas leis, medidas provisórias e decretos que nada mais fazem do que aprofundar as medidas de destruição do patrimônio público no que diz respeito a educação superior.
E é dentro deste contexto de desmonte do público e da universidade que a Federal de Santa Catarina vai às urnas escolher o próximo reitor. Dois projetos disputam o cargo. Um deles representa o continuísmo. É a candidatura oficial, que nada mais é que “mais do mesmo”, seguindo a proposta que vem tentando se perpetuar na UFSC desde os anos 60. O projeto que defende é o da adequação às regras neoliberais, da privatização pelas beiras, tal e qual fizeram as últimas administrações.
Já o segundo projeto busca uma nova forma de gerir a universidade, com participação protagônica dos trabalhadores e estudantes, com transparência, diálogo e de luta concreta contra o desmonte e a destruição. A proposta principal é a mudança. Novos ventos, outra visão do que seja a universidade. Livre, soberana e espaço da criação.
A universidade necessária
Diante do quadro pessimista que a realidade apresenta no que diz respeito à universidade, pode parecer utópico que haja algum projeto no horizonte, buscando a mudança. Mas, a história já tem ensinado que é justamente nesses momentos em que tudo parece irremediavelmente perdido, que as atitudes novidadeiras podem florescer. Foi assim no histórico ano de 1918, quando os estudantes da Universidade de Córdoba, na Argentina fizeram soprar a tormenta que mudou a face do continente. Lá dentro, levantados contra o atraso, a dominação da mediocridade e a falta de participação, os estudantes iniciaram um processo de mudança que ficou conhecido como a “Reforma de Córdoba”.
Aquilo que era para ser só uma ínfima rebelião de um pequeno grupo, cresceu, tomou corpo, se espalhou como um rastro de pólvora e re-inventou a forma de ser universidade. Naqueles dias, os estudantes reivindicavam algo novo, diferente dos moldes europeus e estadunidenses que eram copiados por toda a parte, uma instituição latino-americana, capaz de pensar a realidade deste lugar, desde este espaço. Uma universidade democrática, com a participação dos alunos e trabalhadores, em que a base da pedagogia fosse o amor. Palavra estranha num mundo tão árido. “A autoridade, na casa dos estudantes, que é a universidade, não se exercita mandando, mas sugerindo, amando, ensinando. Se não existe uma vinculação espiritual entre o que ensina e o que aprende, todo o ensino é hostil e, portanto, infecundo”, alertava o manifesto que entrou para a história.
Pois é esse sentimento que permeia o projeto de uma nova UFSC, o qual é encabeçado pelo professor e economista Nildo Ouriques. Mas, a exemplo dos estudantes de Córdoba, o amor a que o projeto se refere não é o amor-sentimento - que se esfacela com o tempo e as circunstâncias - e sim o conceito elaborado pelo filósofo Enrique Dussel, do amor-compromisso. Compromisso com a criação do conhecimento novo, com a participação paritária, com a transparência administrativa, com o diálogo, com a mudança. Esta é uma proposta que, a despeito de todos os temores que pode causar a conjuntura destruidora e desfavorável, tem incendiado corações e mentes, porque cada dia cresce mais a legião dos que entendem que chegou o momento do Brasil viver a sua hora universitária e que ela vai começar em Santa Catarina.
Pode ser um desejo oceânico demais, exagerado, mas é o que tem impulsionado aqueles que partilham e constroem, em comunhão, este projeto de uma nova universidade. Por que cada um crê que o descontentamento com a situação atual não pode diminuir a crença numa universidade autônoma, pública, gratuita e de qualidade. Uma universidade que recupere a vitalidade, que enfrente intelectual e cientificamente os desafios nacionais, que busque construir um projeto de nação baseado na superação da dependência científica e tecnológica, do colonialismo cultural e intelectual e da brutal desigualdade social, regional e racial que se vive no país.
Sem medo de parecer arrogante, a idéia de uma nova UFSC, se ampara no exemplo de Córdoba. Por conta disso, a proposta que caminha com as bandeiras da mudança, não cede lugar a dúvidas. Uma pequena universidade do sul do mundo pode, sim, dar o primeiro passo para a construção do novo. Essa é a intenção e é em nome deste sonho que as gentes caminham.