Alzheimer/Velhice

sexta-feira, 14 de julho de 2023

A cidade esfacelada

Foto: Anderson Coelho/ND - O mar comendo as casas irregulares no Morro das Pedras


Uma das técnicas mais difundidas pela máquina da propaganda que visa manipular as consciências é a fragmentação. Ou seja, impedir uma visão abrangente e totalizante das coisas faz com que os fatos se sucedam como se brotassem do nada. As coisas acontecem como se não houvesse um antes e nem levassem a um depois. São acontecimentos mágicos, aparecem e somem, sem que qualquer linha os amarre a um cenário maior. No geral, os fatos aparecem sempre recheados de emoções e sensações, mas nunca mostram o quadro completo.

Basta ligar a TV ou acessar a redes e lá estão os “fatos”, se sucedendo em vertiginosas campanhas que apelam ao emocional, e se dissipam rapidamente tão logo outra emoção seja colocada no lugar. Nenhum contexto, nenhuma análise. Nada. Só a sensação. E a vida vai seguindo aos saltos, sem que as pessoas percebam que a montanha russa das sensações existe para impedir que vejam o todo.

Assim estamos na nossa cidade “mágica”. Desde 2014, quando foi aprovado, de maneira absurda, o Plano Diretor, Florianópolis vive um processo vertiginoso de especulação da vida e de privatização dos bens públicos. Nos últimos meses temos visto o prefeito de ocasião, Topázio, exibir seus dotes de menino propaganda no TikTok mostrando a cidade em pequenos vídeos, exaltando a cultura, o turismo e dizendo como tudo está indo bem e como a cidade está boa e bonita para todos. Apresenta propostas mirabolantes e diz pra população que tudo será feito com a ajuda privada, esses amigos queridos, sempre dispostos a melhorar a cidade. 

Sobre os bairros inchados, sem planejamento, não fala nada. Sobre a falta de estrutura nas comunidades, não fala nada. Sobre o horror cotidiano do transporte coletivo, não fala nada. Sobre a impossibilidade de se morar na cidade devido aos absurdos preços dos alugueis, não fala nada. Sobre a sobrecarga nos Postos de Saúde, que seguem com poucas senhas e incapazes de atender a população na demanda necessária, não fala nada. Sobre o alucinado processo de construção aprovado pelas mudanças no Plano Diretor, não fala nada. Sobre a inexistência de espaços de lazer nas comunidades, não fala nada. Enfim, a cidade verdadeira, com seus dramas e mazelas, não aparece no programa do prefeito e muito menos nos meios de comunicação. 

O jornalismo local é uma vergonha. Alimenta e respalda essa lógica da fragmentação, sensação, emoção e desconexão com o todo. Os problemas até são mostrados, mas assim, como se fossem casos isolados, brotados do nada, sem relação com o processo de destruição. Um exemplo disso é o caso da UPA Sul, que o prefeito quer deslocar para o antigo aeroporto. As matérias falam dos atos, das manifestações, mas não acabam fechando a história com a fala do prefeito dizendo que não tem dinheiro para reformar. E pronto. Não questionam, não investigam, não cumprem seu papel de aprofundar os temas. E partem para outra comoção. Como foi o caso do pouso acidentado de um avião na pista do “Floripa Airport” (sic). Explora-se o pavor dos passageiros, o drama dos cancelamentos dos voos, mas nenhuma palavra sobre a responsabilidade da empresa privada que agora controla o aeroporto de Florianópolis. Nada de tocar na empresa suíça. Tudo ficará bem... Foi só um “acidente”. 

Nas redes igualmente os temas de interesse da maioria têm pouco espaço. Pode-se ver à exaustão postagens sobre a proposta de um Dia do Batman – claramente uma manipulação para tirar o foco das coisas sérias – mas quase nada sobre a luta das comunidades com relação à saúde, educação, segurança, moradia e outros temas que verdadeiramente importam. 

Não demora muito e começam as tramas da campanha eleitoral, aí voltam a aparecer os temas “quentes”. Muitas promessas serão requentadas como a melhoria do transporte coletivo, a despoluição da Beira Mar (sic), a melhoria na saúde e tudo mais. Serão apenas alguns dias e logo tudo volta à normalidade. Desaparecem os temas de interesse geral e voltam os fragmentos de bobagens e tolices. A população desinformada acreditará no que tiver a melhor campanha publicitária e seguirá navegando nos mares revoltosos da vida dura, pensando que tudo são designíos de deus. 

A cidade se esfacela e nós também. Haverá saída? 

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segunda-feira, 10 de julho de 2023

A UPA Sul fica ou não?


O prefeito disse hoje na televisão: não há qualquer possibilidade de manter a UPA Sul ao lado do terminal urbano. Segundo ele, não há recursos para realizar as obras de melhoramento e por isso mesmo vai entregar para uma empresa privada, que é administradora do Aeroporto, a tarefa de construir o tal complexo de saúde nas dependências do velho aeroporto, o qual abrigará também a UPA. 

Essa proposta do Topázio faz parte do plano iniciado com Gean de entregar tudo o que é público para a mão privada. Tanto que a própria administração da nova UPA será dada a uma Organização Social – que é nome fantasia de empresa privada. A proposta é ir gradativamente se livrando do compromisso público. Segundo a economista Tamara Siemann, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE-SC), em entrevista ao Sintrasem, a administração municipal gastou de junho de 2022 a junho de 2023, um total de 45 milhões de reais com despesas de terceirização, com um aumento de 28%. E, explica Tamara, cada vez que a prefeitura aumenta o gasto com as empresas privadas, vai diminuindo a margem para investir em pessoal próprio. 

Ora, para a prefeitura é bem melhor. Vendo a cidade como uma empresa isso significa que cada vez haverá menos trabalhador público e muito mais trabalhadores terceirizados cuidando do que é público. Qual é o ponto: trabalhador terceirizado ganha muito menos e não tem as garantias que o trabalhador público tem. É ruim para o trabalhador e é ruim para o usuário. Ou seja, o prefeito não quer nem saber do bem-estar da população. Está mais preocupado em garantir recursos para os parceiros privados. 

A mesma saída foi dada para o Plano Diretor, visto que com as mudanças, quem vai desenhar a cidade é o empresariado. As construtoras decidirão quantos andares colocarão nos prédios e trocarão os excessos por alguma pracinha ou algo do gênero, nos lugares que eles quiserem. Pequenas migalhas em troca da destruição da cidade.

A comunidade do Sul da ilha não quer que a UPA saia de onde está. Ali o ponto é estratégico. Está do lado do terminal e do Corpo de Bombeiros. Para chegar a UPA hoje basta um ônibus. Se for para o Aeroporto a coisa complica. Do jeito que é a mobilidade na cidade, o doente terá de pegar dois ou três ônibus para chegar ao destino. Ah, mas quem se importa né? O povo que pegue um Uber. É o que devem pensar os tais “administradores” da cidade. 

Já faz bastante tempo que o público deixou de ser a medida da ação da prefeitura. Tempo demais. Ainda assim, a comunidade grita. Sábado fez protesto, abraçou a UPA e informou sobre a proposta ladina. E se perguntar para qualquer um que está na UPA esperando atendimento, a resposta certamente será a mesma: a UPA tem de ficar ali mesmo. Mas, ao que parece, o prefeito está mais preocupado com os likes no TikTok e ouvir os usuários nem lhe passa pela cabeça. Afinal, quem disse que na cidade manda é o povo? No geral não é, mas tempos há, em que as gente se levantam e aí é o bicho...