Foto: Anderson Coelho/ND - O mar comendo as casas irregulares no Morro das Pedras
Uma das técnicas mais difundidas pela máquina da propaganda que visa manipular as consciências é a fragmentação. Ou seja, impedir uma visão abrangente e totalizante das coisas faz com que os fatos se sucedam como se brotassem do nada. As coisas acontecem como se não houvesse um antes e nem levassem a um depois. São acontecimentos mágicos, aparecem e somem, sem que qualquer linha os amarre a um cenário maior. No geral, os fatos aparecem sempre recheados de emoções e sensações, mas nunca mostram o quadro completo.
Basta ligar a TV ou acessar a redes e lá estão os “fatos”, se sucedendo em vertiginosas campanhas que apelam ao emocional, e se dissipam rapidamente tão logo outra emoção seja colocada no lugar. Nenhum contexto, nenhuma análise. Nada. Só a sensação. E a vida vai seguindo aos saltos, sem que as pessoas percebam que a montanha russa das sensações existe para impedir que vejam o todo.
Assim estamos na nossa cidade “mágica”. Desde 2014, quando foi aprovado, de maneira absurda, o Plano Diretor, Florianópolis vive um processo vertiginoso de especulação da vida e de privatização dos bens públicos. Nos últimos meses temos visto o prefeito de ocasião, Topázio, exibir seus dotes de menino propaganda no TikTok mostrando a cidade em pequenos vídeos, exaltando a cultura, o turismo e dizendo como tudo está indo bem e como a cidade está boa e bonita para todos. Apresenta propostas mirabolantes e diz pra população que tudo será feito com a ajuda privada, esses amigos queridos, sempre dispostos a melhorar a cidade.
Sobre os bairros inchados, sem planejamento, não fala nada. Sobre a falta de estrutura nas comunidades, não fala nada. Sobre o horror cotidiano do transporte coletivo, não fala nada. Sobre a impossibilidade de se morar na cidade devido aos absurdos preços dos alugueis, não fala nada. Sobre a sobrecarga nos Postos de Saúde, que seguem com poucas senhas e incapazes de atender a população na demanda necessária, não fala nada. Sobre o alucinado processo de construção aprovado pelas mudanças no Plano Diretor, não fala nada. Sobre a inexistência de espaços de lazer nas comunidades, não fala nada. Enfim, a cidade verdadeira, com seus dramas e mazelas, não aparece no programa do prefeito e muito menos nos meios de comunicação.
O jornalismo local é uma vergonha. Alimenta e respalda essa lógica da fragmentação, sensação, emoção e desconexão com o todo. Os problemas até são mostrados, mas assim, como se fossem casos isolados, brotados do nada, sem relação com o processo de destruição. Um exemplo disso é o caso da UPA Sul, que o prefeito quer deslocar para o antigo aeroporto. As matérias falam dos atos, das manifestações, mas não acabam fechando a história com a fala do prefeito dizendo que não tem dinheiro para reformar. E pronto. Não questionam, não investigam, não cumprem seu papel de aprofundar os temas. E partem para outra comoção. Como foi o caso do pouso acidentado de um avião na pista do “Floripa Airport” (sic). Explora-se o pavor dos passageiros, o drama dos cancelamentos dos voos, mas nenhuma palavra sobre a responsabilidade da empresa privada que agora controla o aeroporto de Florianópolis. Nada de tocar na empresa suíça. Tudo ficará bem... Foi só um “acidente”.
Nas redes igualmente os temas de interesse da maioria têm pouco espaço. Pode-se ver à exaustão postagens sobre a proposta de um Dia do Batman – claramente uma manipulação para tirar o foco das coisas sérias – mas quase nada sobre a luta das comunidades com relação à saúde, educação, segurança, moradia e outros temas que verdadeiramente importam.
Não demora muito e começam as tramas da campanha eleitoral, aí voltam a aparecer os temas “quentes”. Muitas promessas serão requentadas como a melhoria do transporte coletivo, a despoluição da Beira Mar (sic), a melhoria na saúde e tudo mais. Serão apenas alguns dias e logo tudo volta à normalidade. Desaparecem os temas de interesse geral e voltam os fragmentos de bobagens e tolices. A população desinformada acreditará no que tiver a melhor campanha publicitária e seguirá navegando nos mares revoltosos da vida dura, pensando que tudo são designíos de deus.
A cidade se esfacela e nós também. Haverá saída?
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