quarta-feira, 22 de abril de 2020

Notas da Pandemia

Acho chique quem nessa hora pandêmica consegue ler Hegel, estudar, escrever tese. Eu não consigo. Acordo de manhã, estupefata. Ufa. Tô viva. Olho para o lado e o peito do pai tá subindo e descendo. Outro alívio. Levanto, dou comida pra os bichos e com renovada surpresa vejo despertarem meu companheiro e meu sobrinho. Ufa de novo. 

A manhã passa rápida, consumida no trabalho das coisas do Iela. É o momento em que consigo suspender o pensamento e focar no que tenho de produzir do meu trabalho. Faço o que posso, distribuindo textos, vídeos, mas não tenho conseguido escrever em profundidade. Tudo está nebuloso. 

A tarde passa e eu nos cuidados com o pai. E o tempo todo essa turbulência no espírito. Estaremos vivos amanhã? Tento ler um livro, não dá. E quando a noite chega me encontra ainda nessa ebulição. Falo com amigos, família, mas a sensação de urgência continua. E até o pôr do sol é vislumbrado com uma nostalgia maior. De noite vejo as notícias e meu coração ensombrece. O mundo me dói. As pessoas morrendo sozinhas nos hospitais me doem. Os enterros solitários me doem. As pessoas chorando na porta dos hospitais me doem. Não consigo ficar de boa. Tudo está tão triste. Não entendo como algumas pessoas podem seguir vivendo como se nada. 

Eu sinto uma profunda tristeza. O Brasil me dói. Pela pandemia, pelo mau governo, pela inconsequência dos que ocupam o poder. São dias sombrios. Queria mais do que notas de repúdio. Não sei. Queria poder ficar leve. Mas não dá. Espero o sono, inquieta e incapaz de fixar atenção em nada. Acordo no meio da noite e olho para o pai. Respira. Volto a dormir . 

E no dia seguinte, acordo, estupefata.


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